terça-feira, 2 de março de 2010

“Bens do locatário são impenhoráveis”



Por Edison Parente da Rocha Martins Neto, advogado, especialista em direito imobiliário, é diretor da Administradora Renascença, Rio de janeiro, RJ, e membro da Bolsa de Imóveis da Barra da Tijuca (BIB).


- O instituto da locação de imóveis no Brasil provém do direito romano, mais especificamente do locatio conductio rei, a modalidade usada pelos romanos na qual o locador entregava a “coisa” ao locatário, mediante promessa de pagamento.

Com o amadurecimento do direito civil ao longo dos séculos e a teoria da punição apenas patrimonial, em vez de punição corporal, em caso de inadimplementos de obrigações, se fez necessário a criação de garantias e a principal delas, em caso de locação de imóveis no Brasil, é a figura do fiador.

Entretanto, não é novidade que há muitos anos o legislador busca acabar ou, ao menos, diminuir sensivelmente, o uso do fiador garantidor em matéria de aluguel de imóveis, devido as já conhecidas dificuldades e injustiças que se apresentam contra os mesmos que, vez por outra, se vêem ameaçados com a perda de suas propriedades pelo fato de ter prestado um favor a terceiro.

Prova disso são os inúmeros PL´s (Projetos de Lei) sugerindo a extinção do instituto da fiança, no Senado e na Câmara dos deputados.

Pois bem, com o advento da lei 12.112/09 – que alterou algumas regras da atual lei de locação, o legislador procurou facilitar a vida da figura do fiador, já que, por enquanto, não conseguiu extingui-la. A referida lei decretou algumas possibilidades de exoneração da fiança, corroborando o artigo 835 do Código Civil de 2002, quais sejam: a exoneração da fiança por divórcio do afiançado e por prorrogação do contrato de locação por tempo indeterminado.

Entretanto, ao nosso prisma, perdeu-se uma grande oportunidade de se corrigir, nesta lei, uma injustiça que milhares de fiadores sofrem a cada demanda judicial sofrida, por estar, seu locatário afiançado, em mora com as obrigações contratuais.

Ocorre que o fiador pode ser contemplado com a perda de seu imóvel – o seu bem material mais precioso, mesmo sendo o único, mas o locatário, fonte do atraso e da demanda, não corre este risco. De fato, vários são os casos em que o locatário dispõe de um imóvel próprio, mas aluga outro por lhe ser mais conveniente. Ocorrendo atrasos, portanto, o referido locatário não tem qualquer ameaça de perda do seu imóvel para quitar a dívida.

Isso é possível, pois a lei 8009/90 (lei do bem de família), em seu artigo 3º, inciso VII, determina que poderá ser penhorado o único bem imóvel de um indivíduo que se obrigou como fiador em contrato de locação, mas deixou de dizer que o inquilino também pode ter seu imóvel penhorado, caso o tenha, como abaixo se lê:

“Art. 3º - a impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (incluído pela L. 8245/91)”.

Na realidade, a lei foi criada para proteger as pessoas de terem seu imóvel protegido por motivo de dívida de qualquer natureza, entretanto, como pode ser lido acima, existem exceções. E ter sido fiador é uma delas, ou seja, se um indivíduo tiver um imóvel e for fiador em uma locação, este bem não estará protegido pela referida lei e poderá ir a leilão.

Mas, afinal, qual injustiça poderia ter sido corrigida, aproveitando as alterações da lei 12.112/ 09? A de inserir o inciso VIII ao artigo 3º da lei do bem de família, possibilitando que, em caso de o inquilino ter um imóvel próprio, este também poder ser penhorado, a frente do bem do fiador. Assim, evitariam que o fiador fosse punido e o inquilino saísse ileso.

O pior é que, sem a alteração sugerida, mesmo que os fiadores queiram usar seu direito de cobrar a dívida do locatário, e peçam a penhora do imóvel do inquilino para se ressarcir do prejuízo que não deram causa, não poderão fazê-lo.

Será que o legislador, tendencioso em facilitar a vida do pobre fiador, se esqueceu desta importante alteração; ou será que pensam ser o locatário em atraso o grande “coitadinho” da relação, como sempre ocorreu, em detrimento dos direitos do locador e do fiador?

Por fim, deixo minha reflexão: São falhas como estas que, por vezes, não deixam que a justiça seja feita, literalmente.